18 maio 2011

Livros de Instruções II (que gostaríamos de ver por cá)

GAIMAN, Neil e VESS, Charles (il.), Instructions, Londres, Bloomsbury, 2010

É impossível falar de poemas ilustrados com instruções sem falar deste maravilhoso e incontornável livro de Neil Gaiman e Charles Vess. Publicado pela primeira vez em 2000 numa recolha de vários autores, A Wolf at the Door, e retomado em Fragile Things — recolha de contos e poemas de Neil Gaiman —, este extraordinário texto teve finalmente honras de livro com as fantásticas ilustrações de Charles Vess. Do texto, podemos dizer que se trata de um manual de instruções para se fazer uma viagem pelos contos de fadas, tem indicações sobre o caminho a seguir "Touch the wooden gate" ("Toca no portão de madeira"), sobre o comportamento a ter "They may do favors for you, if you are polite" ("Podem fazer-te favores, se fores bem educado"), perigos a evitar "Trust the wolves, but do not tell them where you are going"("Confia nos lobos, mas não lhes digas para onde vais") e muito mais.

Deixo aqui o vídeo promocional da editora (com o texto lido pelo autor)




Livros de Instruções I



PREVERT, Jacques e GERSTEIN, Mordicai (il.), Para Fazer o Retrato de um Pássaro, Matosinhos, Kalandraka, 2011


"Je n’écris pas sur les oiseaux,
je n’écris pas sur un cage,
j’écris sur du papier posé sur une table." PREVERT, J., in
Fatras
("Não escrevo sobre pássaros,/ não escrevo sobre uma gaiola,/ escrevo sobre papel poisado sobre uma mesa.")

Este novo livro da Kalandraka traz-nos a tradução e a ilustração de um lindíssimo poema de Jacques Prévert escrito em 1943 e dedicado a Elsa Henríquez por ocasião de uma sua exposição. Ao ilustrar este poema, Mordicai Gerstein consegue tornar visíveis os apregoados paciência, esforço e dedicação necessários a esta tarefa, mas sobretudo, mostrar, a um público mais pequeno, que num quadro também estão representados "a frescura do vento/ a poeira do sol/ e o zumbido dos insectos no calor do Verão" (pp. 23-24).

Embora recomendemos vivamente este fantástico livro, que demonstra que a poesia não tem que ser séria, complicada, repleta de palavras difíceis ou sequer ter rima, não podemos deixar de ter pena que esta boa tradução do poema de Prévert — que corrige algumas das incorrecções da tradução/adaptação do original inglês — não tenha também abolido o uso da pontuação — no original este poema tem apenas reticências a seguir a "sem se mexer..." e um ponto final no último verso ("e escreve o teu nome num canto do quadro.") — ou introduzido uma qualquer nota, ou talvez um parêntesis recto em vez do curvo, para explicar que a frase com que se fecha o livro não é da autoria de Prévert, mas sim, um acrescento de Gerstein na tradução/adaptação do original inglês.

Para saber mais, consultar o site da editora portuguesa, a Kalandraka, ou da Macmillan onde é possível ver-se o livro completo em inglês.

deixo-vos a tradução portuguesa de Eugénio de Andrade

Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro
agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres...
Às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho com o pincel
depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
a poeira do sol
e o ruído dos bichos entre as ervas no calor do verão
e agora espera que o pássaro se decida a cantar
se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar
então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro.
 

e algumas ilustrações

Pintar depois alguma coisa bonita,/ alguma coisa simples/ 
alguma coisa bela/ alguma coisa útil para o pássaro.

Encostar depois a tela a uma árvore, num jardim,/
num parque 


ou numa floresta.