21 março 2012

E do acaso se fez arte


GULLAR, Ferreira, Zoologia Bizarra, s/l, Editorial Caminho, 2012

Ou, de como devíamos todos agradecer ao gato de Ferreira Gullar. 

Este fantástico bestiário de Ferreira Gullar — prémio Camões 2010 — foi editado no Brasil, há dois anos, para as comemorações dos 80 anos do escritor. Trata-se de uma "brincadeira" que nasceu depois do seu gato ter "desarrumado" uma colagem que estava a fazer.
Desta Zoologia Bizarra fazem parte muitos animais, uns reais, outros nem tanto. A acompanhar cada animal está uma frase, que muitas vezes assume contornos de máxima e cujo significado surge por vezes expresso na própria mancha gráfica do texto.
Talvez não seja poesia, no sentido mais estrito do termo, mas aproxima-se muito. 


"PÁSSARO TENISTA
Ou ele está chegando à quadra para dar início à partida,
ou já está indo embora derrotado" (pp.22-23)

"GUERRA NAS ESTRELAS
Guerra é guerra, trava-se em qualquer lugar." (pp.28-29)

"ATAQUE
Qualquer ave — ainda que bela — tem que se alimentar" (pp.32-33)

"O SUSTO DO DRAGÃO
Basta estar vivo para ter medo, até mesmo dragão." (pp.34-35)

"BICHO FURIOSO
Quando a fúria é tamanha, o próprio corpo explode." (pp.48-49)

"MERGULHÃO" (pp.54-55)

(p.54)

"O TOURO ENCANTADO
A praia que ele habita é tão vasta
quanto a fantasia dos pescadores." (pp.60-61)

"O INTRUSO
Há sempre aquele que mete o bedelho onde não é chamado" (pp.86-87)


Sobre a criação destes animais:



Quem quiser saber mais sobre o autor (e também este livro) pode ler a entrevista concedida ao jornal Público em Setembro de 2010 aqui (o link vai directamente para o episódio do "gato de Gullar").



28 fevereiro 2012

Sobe e Desce


JEFFERS, Oliver, Sobe e Desce, s/l, Orfeu Mini, 2012

Foi lançada neste Sábado a segunda história do menino e do pinguim de Oliver Jeffers, editado em Portugal pela Orfeu Mini. Sobe e Desce é a sequela de Perdido e Achado. Para quem não leu o primeiro livro, nestes dois livros da série contam-se as aventuras de dois amigos inseparáveis, um menino e  um pinguim. Em Perdido e Achado, as duas personagens encontram-se e, depois de longas peripécias — que incluem a devolução do pinguim ao pólo de onde veio —, descobrem que aquilo de que precisam mesmo é da companhia um do outro. Se, no primeiro livro, é o rapaz que tenta, com a melhor das intenções, devolver o pinguim perdido a casa, neste livro, cabe ao pinguim tentar aprender a voar e, para tal, decide que é uma aprendizagem que deve fazer por si só, para descobrir, no fim, que aquilo de que precisava mesmo era da ajuda e presença do amigo durante esta nova experiência.
Falar dos livros de Oliver Jeffers nunca é uma tarefa muito fácil. A grande virtude, tanto gráfica, como narrativa destas histórias está na sua enorme simplicidade — diria talvez até infantilidade, mas sem nunca ser condescendente ou "infantilóide"— não há nunca, excepto se a narrativa assim o pedir — veja-se, por  exemplo o caso das páginas dedicadas ao circo neste livro —, excessos de linguagem ou de imagem. Tudo, desde a aparente simplicidade das ilustrações, às frases curtas do texto nos remete para um ambiente muito mais próximo do mundo infantil do que do mundo dos adultos. Ao entrar na história, as próprias regras que regem o universo onde ela tem lugar não estão filtradas pelas contingências da realidade adulta. É um universo dos possíveis que obedece às regras e à lógica das crianças e do jogo sem a interferência castradora da realidade e, ainda, onde tudo é sentido pelos protagonistas com a intensidade e perseverança típicas de uma criança pequena. A tudo isto, acrescente-se apenas o humor britânico do autor que cria situações e trocadilhos que, piscando o olho aos adultos pelo absurdo das situações ou raciocínios — perfeitamente lógicos e óbvios dentro do contexto onde estão inseridos —, não está nunca a ridicularizar ou a desrespeitar as suas personagens nem os seus leitores mais novos.
Só nos resta referir que, embora estes sejam provavelmente os livros mais conhecidos — foi feita uma animação do primeiro —, não deixa de ser pena que os títulos desta série estejam a ser lançados fora de ordem. Embora possa parecer que estes dois livros formem uma colecção, estas duas aventuras inserem-se numa série de quatro livros sobre as aventuras do rapaz, sendo que a primeira, ainda sem pinguim, é o How to Catch a Star (Como Apanhar uma Estrela) e a terceira, onde o pinguim aparece apenas numa imagem, é o The Way Back Home (O Caminho de Volta Para Casa) — onde, aliás, se explica por que motivo o avião do menino não tem combustível.









15 junho 2011

Quando a tristeza é uma arte

TAN, Shaun, A Árvore Vermelha, Matosinhos, Kalandraka, 2011, 40 pp.

Este autor australiano foi, sem dúvida, a grande descoberta deste ano na Feira do Livro. Tem dois livros publicados este ano em Portugal (este, pela Kalandraka, e os Contos dos Subúrbios, pela Contraponto).
N' A Árvore Vermelha, Shaun Tan fala e pinta a tristeza. O livro abre com a menina, no quarto, ao acordar e fecha com o seu regresso ao quarto, no final do dia, depois de um penoso percurso pelas suas emoções. 
Para descrever esta viagem pelos sentimentos da personagem cujo "dia começa sem expectativas" e a quem "as coisas vão de mal a pior", o autor usa frases curtas e umas espantosas ilustrações que transmitem toda a angústia que é vivida pela menina. A solidão, a alienação e o caos, entre outros, vão assombrar todos os movimentos desta personagem. No início, o seu quarto é invadido por folhas mortas e só no final, quando regressa a esse espaço, encontra uma pequena planta vermelha, que depressa se transforma numa árvore, e que traz com ela a esperança. 
Este é um livro fantástico para se reflectir sobre a tristeza, sobre as imagens e metáforas que utilizamos para a descrever (veja-se aqui a explicação do autor sobre o livro e a sua concepção) e ainda sobre a forma como os nossos sentimentos podem influenciar tudo o que nos rodeia (note-se, por exemplo, que em todas as páginas está sempre escondida uma folha da árvore vermelha).


 a tristeza apodera-se de ti

ninguém te compreende

 sem lógica nem sentido

por vezes, tu simplesmente não sabes o que fazer

ou o que te espera

tal como a tinhas imaginado

Para saber mais sobre o autor pode consultar a sua página pessoal: Shaun Tan. Deixo ainda uma animação feita por uma admiradora do livro:







18 maio 2011

Livros de Instruções II (que gostaríamos de ver por cá)

GAIMAN, Neil e VESS, Charles (il.), Instructions, Londres, Bloomsbury, 2010

É impossível falar de poemas ilustrados com instruções sem falar deste maravilhoso e incontornável livro de Neil Gaiman e Charles Vess. Publicado pela primeira vez em 2000 numa recolha de vários autores, A Wolf at the Door, e retomado em Fragile Things — recolha de contos e poemas de Neil Gaiman —, este extraordinário texto teve finalmente honras de livro com as fantásticas ilustrações de Charles Vess. Do texto, podemos dizer que se trata de um manual de instruções para se fazer uma viagem pelos contos de fadas, tem indicações sobre o caminho a seguir "Touch the wooden gate" ("Toca no portão de madeira"), sobre o comportamento a ter "They may do favors for you, if you are polite" ("Podem fazer-te favores, se fores bem educado"), perigos a evitar "Trust the wolves, but do not tell them where you are going"("Confia nos lobos, mas não lhes digas para onde vais") e muito mais.

Deixo aqui o vídeo promocional da editora (com o texto lido pelo autor)




Livros de Instruções I



PREVERT, Jacques e GERSTEIN, Mordicai (il.), Para Fazer o Retrato de um Pássaro, Matosinhos, Kalandraka, 2011


"Je n’écris pas sur les oiseaux,
je n’écris pas sur un cage,
j’écris sur du papier posé sur une table." PREVERT, J., in
Fatras
("Não escrevo sobre pássaros,/ não escrevo sobre uma gaiola,/ escrevo sobre papel poisado sobre uma mesa.")

Este novo livro da Kalandraka traz-nos a tradução e a ilustração de um lindíssimo poema de Jacques Prévert escrito em 1943 e dedicado a Elsa Henríquez por ocasião de uma sua exposição. Ao ilustrar este poema, Mordicai Gerstein consegue tornar visíveis os apregoados paciência, esforço e dedicação necessários a esta tarefa, mas sobretudo, mostrar, a um público mais pequeno, que num quadro também estão representados "a frescura do vento/ a poeira do sol/ e o zumbido dos insectos no calor do Verão" (pp. 23-24).

Embora recomendemos vivamente este fantástico livro, que demonstra que a poesia não tem que ser séria, complicada, repleta de palavras difíceis ou sequer ter rima, não podemos deixar de ter pena que esta boa tradução do poema de Prévert — que corrige algumas das incorrecções da tradução/adaptação do original inglês — não tenha também abolido o uso da pontuação — no original este poema tem apenas reticências a seguir a "sem se mexer..." e um ponto final no último verso ("e escreve o teu nome num canto do quadro.") — ou introduzido uma qualquer nota, ou talvez um parêntesis recto em vez do curvo, para explicar que a frase com que se fecha o livro não é da autoria de Prévert, mas sim, um acrescento de Gerstein na tradução/adaptação do original inglês.

Para saber mais, consultar o site da editora portuguesa, a Kalandraka, ou da Macmillan onde é possível ver-se o livro completo em inglês.

deixo-vos a tradução portuguesa de Eugénio de Andrade

Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro
agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres...
Às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho com o pincel
depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
a poeira do sol
e o ruído dos bichos entre as ervas no calor do verão
e agora espera que o pássaro se decida a cantar
se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar
então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro.
 

e algumas ilustrações

Pintar depois alguma coisa bonita,/ alguma coisa simples/ 
alguma coisa bela/ alguma coisa útil para o pássaro.

Encostar depois a tela a uma árvore, num jardim,/
num parque 


ou numa floresta.




20 abril 2011

Novo site

Enquanto não escrevo os milhentos posts que este autor merece, deixo-vos o novo site dele.
www.oliverjeffers.com

Livros que gostaríamos de ver por cá

GRAVETT, Emily, Monkey and Me, Londres, Macmillan Children's Books, 2008

Este livro de Emily Gravett destina-se aos mais pequenos. Com um texto muito simples, em tom de lenga-lenga — "Monkey and me,/ Monkey and me/, Monkey and me,/ We went to see,/ We went to see some..." — e umas fantásticas ilustrações que seguem a mesma linha — apenas se retratam as personagens e os animais — mostra uma brincadeira entre uma menina e o seu boneco. Nas primeiras páginas par e ímpar estão o texto e a menina com o seu macaco de peluche a imitarem os animais que dizem ter ido ver, nas duas páginas seguintes, estão o nome e o animal correspondentes.
Simples, mas muito divertido, este livro presta-se, não apenas a ser lido, mas também jogado, por outro lado, a facilidade com que se aprende o texto — por cá usa-se a tradução "O macaco e eu,/ O macaco e eu,/ Fomos,/ Fomos ver..." — vai ainda permitir que as crianças o "leiam" sozinhas ou que um irmão mais velho o faça. 

Embora ainda não tenha sido publicado por cá, espera-se que o lançamento este ano de outros dois livros desta premiada autora para um público mais velho — O Lobo Não Morde e o Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato — pela editora Livros Horizonte seja apenas o princípio de uma grande colecção de livros de Emily Gravett em português.


(Pinguim)

(Canguru)

(Morcego)

Se encomendar este livro pela internet, existem três edições diferentes, uma grande (mesmo grande) para uso em aula, uma de capa mole com um formato tradicional e, por fim, uma de capa dura com papel cartonado.